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Cerro Grande do Sul
sexta-feira, junho 13, 2025

OPINIÃO: O Rio Grande do Rock e a resistência sonora que brota do sul do Brasil

Se o rock é rebeldia, inquietação e identidade, então não há terreno mais fértil para ele do que o solo vermelho do Rio Grande do Sul. O estado que gerou heróis do campo e da caneta também pariu acordes distorcidos e letras que desafiam o silêncio da mesmice. Gaúcho que é gaúcho já ouviu um refrão dos Engenheiros, já esbarrou numa tarde com o Nenhum de Nós na trilha sonora da vida e, se tiver sorte, já gritou um “tô de saco cheio” com os Garotos da Rua.

Mas o que torna o rock gaúcho tão… gaúcho?

É a autenticidade. É o jeito sério e sarcástico de dizer verdades. É o frio na espinha antes de subir no palco de um festival do interior, onde o som vaza pelas árvores e esbarra nos postes da praça. É ali que o rock do Sul sobrevive — não nas rádios, mas nos palcos de lona, nos bares com infiltração e nas rodinhas de amigos com uma caixa amplificada.

As bandas que construíram esse barulho

Engenheiros do Hawaii

Criados no caos estudantil da UFRGS, os Engenheiros traduziram em poesia o que a juventude urbana do Brasil inteiro sentia nos anos 80. Humberto Gessinger, com sua cabeleira e óculos redondos, virou quase um filósofo do rock. Canções como Infinita Highway ou O Papa é Pop não são apenas músicas — são retratos de uma geração. A banda vendeu mais de 3,5 milhões de discos.

Nenhum de Nós

Formada em 1986, apostou num som mais melódico, mas sem deixar a crítica social de lado. Camila Camila é, até hoje, uma das canções mais fortes sobre relações e traumas emocionais da música nacional. Adaptar Starman, de David Bowie, e transformá-la em Astronauta de Mármore foi uma ousadia digna de quem acredita no próprio sotaque.

Garotos da Rua

Rock direto, de garagem, de calçada. A canção Tô de Saco Cheio virou um hino do trabalhador exausto, do jovem inconformado. Alemão Ronaldo cantava como se fosse a última chance de dizer alguma coisa.

Reação em Cadeia

A juventude dos anos 2000 encontrou seu porto seguro emocional em Me Odeie e Até Te Encontrar. A banda de Novo Hamburgo chegou aos grandes palcos e manteve viva a tradição de letras confessionais embaladas por guitarras afiadas.

Tequila Baby e Cachorro Grande

Uma encarnação punk de Porto Alegre e uma viagem vintage com referências a Beatles, Stones e The Who. A Cachorro Grande, em especial, foi um sopro de autenticidade nos anos 2000, mostrando que o rock gaúcho ainda sabia morder.

O palco é o campo: festivais que mantêm o rock respirando

Mas o que seria do rock gaúcho sem seus festivais? São nesses encontros que as bandas independentes dividem palco com veteranos, que o público reencontra a sensação de estar vivo, de vibrar junto.

🎤 Rock in Cerro – Cerro Grande do Sul

Mais do que um festival, o Rock in Cerro virou um rito anual. Realizado em Cerro Grande do Sul, o evento reúne artistas locais e regionais, com palcos montados no coração da cidade e plateias que vão do adolescente de tênis all-star ao senhor de bombacha. É um dos últimos bastiões de resistência musical em tempos de algoritmos e playlists prontas. Lá, o som ainda nasce do cabo e da coragem.

🎸 Morrostock (Sapiranga)

Um dos festivais mais alternativos e históricos do RS, mistura rock, psicodelia, política e lama. Um festival que parece mais uma filosofia de vida. A cada edição, bandas de garagem ganham voz em meio à natureza.

🌙 Planeta Atlântida (Xangri-lá)

Apesar de comercial, o Planeta abriu espaço para o rock gaúcho em vários momentos, especialmente nas edições dos anos 2000. Foi o palco onde muitos conheceram ao vivo bandas como Reação em Cadeia, Cachorro Grande e Fresno.

🔥 Festival Grito Rock (diversas cidades)

Presente em cidades como Santa Maria, Caxias, Pelotas e Bagé, o Grito Rock é uma articulação cultural que busca dar voz a quem não está na grande mídia — e o rock gaúcho independente agradece.

O legado que resiste nas entrelinhas

O rock gaúcho pode não estar mais nas capas das revistas, mas está nas tatuagens, nas vozes embargadas nos shows, nos riffs que sobrevivem nos churrascos de garagem. É o som que embala o nascer do artista na cidade pequena e o último acorde do veterano que se recusa a silenciar.

E enquanto houver um violão com corda gasta, um microfone improvisado e um público disposto a cantar junto, o rock seguirá ecoando do Sul para o Brasil. De Cerro Grande do Sul a Porto Alegre.

Porque no sul, o rock não morre. Ele se reinventa.

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