Era 1949. O Brasil ainda era preto e branco nas fotografias e vivia o romantismo dos bilhetes escritos à mão, das serenatas ao pé da janela e das longas cartas enviadas pelos Correios. Foi nesse cenário que um publicitário, João Doria — o pai do futuro político de mesmo nome —, teve uma ideia ousada: criar um Dia dos Namorados no Brasil. Não por poesia, mas por estratégia.
A inspiração veio do exterior. Enquanto países como os Estados Unidos, Canadá e boa parte da Europa celebravam o amor no dia 14 de fevereiro, o famoso Valentine’s Day, aqui tudo seguia normalmente nesse mês. Frio, talvez, apenas nos corações dos comerciantes paulistas que, depois do Natal, amargavam meses sem datas que impulsionassem o consumo.
João Doria Sr., então trabalhando com a Loja Clipper, resolveu propor algo novo: uma data dedicada ao amor — com flores, presentes, perfumes e corações vermelhos por todos os lados. E escolheu o dia 12 de junho, não por acaso. A véspera do dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro. Afinal, se o povo já recorria ao padroeiro para encontrar um amor, por que não antecipar a celebração da paixão?
Deu certo. E como deu.
O romantismo e o mercado: uma relação lucrativa
Décadas se aram e o que nasceu como uma estratégia de marketing virou tradição. Hoje, o Dia dos Namorados é a terceira data mais importante para o comércio brasileiro, atrás apenas do Natal e do Dia das Mães. Lojas de roupas, joalherias, floriculturas, restaurantes, hotéis e até concessionárias disputam a atenção dos casais apaixonados — e de quem deseja surpreender.
O romantismo virou negócio, e ninguém reclama. O amor, afinal, é também feito de gestos. De presentes simbólicos, de jantares à luz de velas, de escapadas para pousadas na serra. A economia agradece.
Em 2024, segundo estimativas da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a data movimentou mais de R$ 2,5 bilhões no varejo nacional. E mesmo em tempos de inflação e contenção de gastos, o coração parece não saber fazer contas. Um buquê de rosas ainda é capaz de derreter o mais gelado dos orçamentos.
A mística da data: mais do que flores
Mas o Dia dos Namorados vai além do consumo. Existe uma mística que resiste ao tempo. É a ansiedade dos mais jovens em preparar a primeira surpresa. É a nostalgia dos casais mais velhos que relembram o início da caminhada juntos. É a tentativa, por vezes atrapalhada, de transformar um dia comum em um momento inesquecível.
Por trás dos corações de pelúcia e das mensagens em balões prateados, está a necessidade humana de sentir-se amado, de afirmar laços, de comemorar aquilo que, com frequência, a rotina tenta engolir. E isso, nem o tempo, nem o marketing são capazes de inventar — só de canalizar.
Amor, tradição e reinvenção
O curioso é que o Dia dos Namorados no Brasil sempre chega no finalzinho do outono, começo do inverno. As folhas caem, os ventos sopram frios, as noites são mais longas. E talvez por isso mesmo, o calor do amor pareça mais necessário. Um carinho que aquece, um presente que traduz, um abraço que vale mais que palavras.
A data, que nasceu num gesto de engenho publicitário, virou parte do calendário afetivo do brasileiro. Reinventa-se com as gerações, adapta-se aos novos tempos — do bilhetinho ao direct no Instagram, da serenata ao QR Code com playlist personalizada — mas segue com o mesmo propósito: celebrar o amor.
E, no fim das contas, talvez seja essa a beleza do Dia dos Namorados: entre o comércio e o coração, ele continua nos lembrando de algo essencial — que amar vale a pena. Sempre.